Lobistas da carne, laticínios e pesticidas retornam em grande número à Cúpula do Clima

Representantes do agronegócio usam sua influência para desviar a atenção dos formuladores de políticas das soluções reais para a transformação dos sistemas alimentar e agrícola, afirmam ativistas.
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The COP29 entrance in Baku, Azerbaijan. Credit: Michal Busko / Alamy

BAKU – Nova análise revela a presença de centenas de lobistas da agroindústria na cúpula climática COP29, em Baku, Azerbaijão.

Este ano, representantes de algumas das maiores empresas do agronegócio mundial – como a empresa brasileira de processamento de carnes JBS, a farmacêutica veterinária Elanco e a gigante do setor alimentício PepsiCo –, bem como de poderosos grupos comerciais que representam o setor alimentício, retornam ao evento.

No total, 204 delegados do agro tiveram acesso às negociações este ano, revela a análise conduzida pelo DeSmog e pelo The Guardian. Apesar de o número total ter diminuído em comparação com o recordes registrados na COP28, os dados demonstram que as Conferências das Partes (COPs) sobre o clima continuam sendo uma prioridade para as empresas que atuam no setor agrícola, responsável por até um terço das emissões globais de gases de efeito de estufa.

Lobistas do setor alimentício continuam a exercer forte influência, participando da COP em Baku como parte de delegações nacionais do Brasil, Rússia e Austrália, entre outros países. Este ano, quase 40% dos delegados do setor viajaram para a cúpula com credenciais de representantes nacionais (crachás de país) – o que lhes conferiu acesso privilegiado às negociações diplomáticas. Esse número representa um aumento em relação aos 30% observdos na COP28 e de 5% na COP27.

O setor de carnes e laticínios enviou 52 delegados à cúpula este ano, dos quais 20 integraram a delegação oficial do governo brasileiro, segundo a análise. Em conjunto, esses delegados superaram em número a delegação da ilha caribenha de Barbados, que em julho foi devastada pelo furacão Beryl, um desastre relacionado às mudanças climáticas.

Nos últimos três anos, tem-se observado crescente participação de gigantes da agroindústria nas COPs,  munidos de sofisticadas estratégias de comunicação para influenciar os tomadores de decisão. Os produtores de carne e laticínios, em particular, enfrentam escrutínio cada vez maior devido à crescente poluição gerada pela pecuária bovina e ovina, responsável por cerca de um terço das emissões globais de metano. A agricultura também impulsiona o desmatamento e depende de fertilizantes sintéticos, produzidos a partir de combustíveis fósseis e emissores de gases de efeito estufa.

Embora diversos estudos científicos, com revisão por pares, apontem para a necessidade de uma redução drástica dos rebanhos de gado para corte e leite, e de promover uma transição para sistemas alimentares mais saudáveis ​​e sustentáveis ​​como forma de reduzir as emissões, a indústria do agronegócio exerce forte pressão com lobbies contra regulamentações ambientais mais rigorosas e mudanças nos padrões de consumo da dieta, tanto na União Europeia quanto nos Estados Unidos e nas nas cúpulas climáticas.

An Lambrechts, estrategista sênior de campanhas do Greenpeace Internacional, afirmou haver um claro “conflito de interesses” entre a presença do agronegócio nas negociações da ONU e a necessidade de ação climática.

“Observamos o mesmo problema com a indústria de combustíveis fósseis e sua atuação para desviar o mundo das ações e soluções necessárias para combater as mudanças climáticas e lidar com os seus impactos”, argumentou Lambrechts.

Wanun Permpibul, da Climate Watch Tailândia, disse ao DeSmog: “Quando o agronegócio domina a discussão, as vozes das comunidades da linha da frente – especialmente pequenos agricultores, povos indígenas, mulheres e produtores locais de alimentos – são sistematicamente excluídas.

“No entanto, são essas as pessoas que vivem em harmonia com a natureza há gerações, utilizando o conhecimento tradicional para gerir ecossistemas, preservar a biodiversidade e sustentar os sistemas alimentares locais.”, destacou Permpibul.

Grandes Emissores

Representantes do agronegócio se juntam a mais de 66.000 participantes na cúpula deste ano, que acontece no Estádio Olímpico de Baku, capital do Azerbaijão. O número total de participantes caiu 25% desde a COP28 – e também inclui mais de 1.700 delegados vinculados à indústria de combustíveis fósseis.

Entre os presentes, figuram representantes da maior empresa de carnes do mundo, a JBS, que enviou três delegados a Baku. Outras grandes empresas do setor alimentício presentes na COP29 incluem a Nestlé, maior empresa de alimentos do mundo, e a Bayer, segunda maior empresa de pesticidas do mundo, que enviou 10 funcionários.

Em 2022, a JBS reportou a emissão de 156 milhões de toneladas de gases de efeito estufa, mais do que as emissões anuais dos Países Baixos ou da Ucrânia. A empresa enfrenta atualmente uma ação judicial nos Estados Unidos por “alegações falsas de sustentabilidade” e por uma estratégia “enganosa” de zerar as emissões líquidas de carbono. A JBS foi contatada para comentar.

No ano passado, a empresa se comprometeu a participar ativamente da COP28 em vigor, enviando 11 delegados para a cúpula como parte de uma campanha coordenada de relações públicas do setor da carne para rebater seus críticos. Em agosto de 2024, a empresa foi associada pela Global Witness ao desmatamento na região do Pará, no Brasil. (Em resposta, a JBS afirmou que a opacidade da cadeia de suprimentos de gado a impedia de “realizar uma análise adequada das fazendas mencionadas” e compartilhou seus esforços para aprimorar a identificação dos animais.)

Kelly Dent, diretora global de engajamento externo da World Animal Protection, afirmou: “TA presença na COP29 de lobistas da JBS, maior produtora de carnes do mundo e uma das principais responsáveis pelo desmatamento da Amazônia, deveria preocupar a todos.”

A Nestlé – que teve acesso às negociações como parte da delegação da Suíça – tem emissões três vezes maiores que os do seu país anfitrião. A empresa também é membro de grupos de lobby que se opõem a medidas de proteção ambiental, como a Associação Europeia de Lacticínios (EDA), também presente em Baku, que tentou atrasar os esforços da União Europeia para implementar restrições mais rigorosas às emissões de metano.

Sobre sua participação na Associação Europeia de Laticínios, a Nestlé declarou: “Defendemos que as atividades de lobby estejam alinhadas com o Acordo de Paris nas associações comerciais e em outros tipos de coalizões lideradas pelo setor privado das quais a Nestlé é membro, nos níveis global, regional e local.”

Em relação à sua presença na cúpula, a Nestlé afirmou: “Alcançar o objetivo de zerar as emissões líquidas de carbono exige o engajamento e as contribuições efetivas dos atores da economia real, e acreditamos que nosso papel é fundamental para ajudar a alcançar resultados eficazes.”

A Associação Europeia de Laticínios (EDA) informou ao DeSmog que sua participação na COP29 se deu para integrar dois eventos paralelos sobre saúde animal e a necessidade de “mais inovação” no setor. “A EDA está trabalhando para combater as mudanças climáticas e implementar as melhores práticas de sustentabilidade na cadeia de suprimentos de laticínios”, disse um porta-voz da associação ao DeSmog.

Duas poderosas empresas de pesticidas, a Bayer e a Syngenta, que também têm feito lobby contra as reformas ambientais, estiveram em Baku, como parte da delegação do Brasil.

Um porta-voz da Bayer declarou ao DeSmog: “Parte integral de nossa estratégia de negócios é tornar a agricultura mais sustentável e resiliente” e que “é fundamental adotar a inovação” para atingir as metas climáticas e de biodiversidade. Ele acrescentou: “O lobby é uma parte essencial do processo democrático, praticado tanto pela indústria quanto por outras organizações, como as ONGs.”

Destaque para o Brasil

O Brasil, que sediará a cúpula climática do próximo ano, foi um dos países com maior número de representantes do agronegócio este ano, suscitando preocupações sobre a influência que o setor pode exercer na COP30 na cidade amazônica de Belém, capital do Pará. Muitos vêem a COP30 como uma oportunidade para uma reforma ambiciosa dos sistemas alimentares.

A delegação brasileira contou com 35 lobistas do setor agrícola – o maior número entre todos os países – incluindo mais de 20 representantes de empresas de carne como a JBS, a BRF e a Marfrig, além de influentes grupos do setor, como a Associação Brasileira dos Exportadores de Carne Bovina (ABIEC).

A Rússia, por sua vez, enviou 13 delegados da indústria de fertilizantes. Os fertilizantes sintéticos são os principais responsáveis pelas emissões de dióxido nitroso, um gás de efeito estufa com potencial de aquecimento global 200 maior que o dióxido de carbono, cujas concentrações na atmosfera estão aumentando em níveis sem precedentes.

Em seguida, veio a Austrália, com cinco representantes da Federação Nacional de Agricultores, organização que se opõe publicamente a medidas para reduzir as emissões de metano provenientes da pecuária.

O ativista tailandês Permpibul ficou preocupado com as descobertas do DeSmog. “Ao trazer um grande contingente de lobistas do agronegócio, o Brasil está enviando uma mensagem de que a proteção dos interesses corporativos tem precedência sobre o combate à crise climática”, afirmou.

“A presença desses lobistas levanta sérias preocupações sobre se a próxima COP dará prioridade a soluções reais, lideradas pela comunidade, ou continuará a pressionar por “soluções” baseadas no mercado que pouco contribuem para resolver as causas profundas das mudanças climáticas.”

Promovendo ‘soluções falsas’

Muitos representantes do agronegócio que participam de cúpulas sobre o clima são convidados para palestrar em painéis e realizar eventos nos quais podem promover suas principais mensagens aos decisores políticos e ao público.

Nesses eventos paralelos na COP29, líderes da indústria de carnes, laticínios, pesticidas e fertilizantes apresentam soluções técnicas abrangentes para reduzir as emissões do setor. No entanto, estudos confiáveis afirmam que medidas de eficiência, isoladamente, têm capacidade limitada de reduzir uma pequena parcela das emissões agrícolas, e devem ser acompanhadas por políticas de redução da demanda, como o consumo de menos carne nos países ricos.

Na sexta-feira, 15 de novembro, na COP29, Krysta Harden, presidente do grupo comercial US Dairy Export Council, defendeu soluções tecnológicas para melhorar a eficiência das operações de produção de leite. Entre elas, aditivos alimentares para reduzir o metano nos arrotos das vacas e “biodigestores” para capturar metano de lagoas de dejetos animais (estrume líquido). Segundo Harden, essas tecnologias ajudariam o setor a alcançar a “neutralidade climática”. Ambas as tecnologias têm atraído críticas por serem, respectivamente, limitadas em escopo e não comprovadas em larga escala, além de poluentes.

Outros participantes do evento – incluindo o presidente do grupo de lobby de pesticidas Croplife Brasil, Eduardo Leão de Sousa, defenderam a “intensificação sustentável” da agricultura, um termo que se contrapõe a abordagens alternativas de menor impacto, como a agroecologia. Em vez disso, aponta para “novos pesticidas, bioinsumos e biotecnologia” para promover a sustentabilidade, além de métodos para aplicar agrotóxicos de forma mais eficiente.

Pesticidas e fertilizantes – muitos dos quais são usados ​​para apoiar o cultivo de plantas para a pecuária industrial – são muitas vezes derivados de combustíveis fósseis e tem impactos negativos significativos sobre a biodiversidade, a saúde do solo e da água.

Arnold Padilla, vice-diretor executivo da Pesticide Action Network Asia Pacific, acusou o agronegócio de promover “falsas soluções” concebidas para sustentar e expandir práticas agrícolas danosas, em contraste com “pequenas comunidades agrícolas que defendem práticas sustentáveis, evitando o uso de substâncias químicas que prejudicam o clima e protegendo a biodiversidade.”

“Estas são as soluções reais que são essenciais para reduzir as emissões de gases de efeito de estufa e enfrentar a crise climática”, afirmou Padilla. 

Reformas Fundamentais

A análise da DeSmog acompanha as crescentes preocupações com o acesso desproporcional que lobistas corporativos têm às cúpulas climáticas, o que tem motivado apelos por reformas abrangentes.

No início deste mês, DeSmog também registrou um grande aumento no número de lobistas de grandes empresas do setor alimentício que participaram nas conversações sobre biodiversidade da ONU, que terminaram sem um acordo significativo para a proteção da natureza em 2 de Novembro.

Na sexta-feira, 15 de novembro, veteranos participantes das COPs e importantes diplomatas argumentaram que as Conferências das Partes (COPs) não são mais “adequadas ao seu propósito”. Especialistas em sistemas alimentares também têm pedido por reformas.

Teresa Anderson, da ActionAid, organização sem fins lucrativos voltada para o desenvolvimento, disse ao DeSmog que acredita que as COPs são excessivamente influenciadas por interesses corporativos.

“O agronegócio tem todo o dinheiro para gastar em voos, vinhos e refeições, ao contrário dos pequenos agricultores agroecológicos que estão ocupados com o trabalho real de alimentar as comunidades e proteger o clima”, disse Anderson, que é o líder global da instituição de caridade para a justiça climática. “O que acaba acontecendo é que as verdadeiras respostas à crise climática não são ouvidas em meio à cacofonia corporativa.”

Padilla, da Pesticide Action Network East Asia, concordou que os pequenos agricultores e produtores de alimentos “enfrentam barreiras significativas no acesso às plataformas globais” onde os custos elevados limitam a participação.

“Esta marginalização é ainda mais intensificada à medida que diminui o espaço dentro das COP climáticas para movimentos e vozes da sociedade civil, que defendem os direitos e demandas dos pequenos agricultores e das comunidades rurais”, disse Padilla.

Kelly Dent, da World Animal Protection, afirmou que são necessárias mudanças fundamentais no processo da COP.

“A presença significativa de lobistas impede a perspectiva de transformações relevantes nos nossos sistemas alimentares e agrícolas. Isto desvaloriza as COP e coloca em grave risco  sua própria razão de ser”, afirmou Dent.

“É urgentemente necessária uma estrutura mais robusta de governança e transparência na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) para mitigar conflitos de interesses e salvaguardar a integridade das negociações climáticas.” 

Reportagem adicional de Clare Carlile. Pesquisa adicional de Brigitte Wear. Edição de Hazel Healy.

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Rachel is an investigative researcher and reporter based in Brussels. Her work has been covered by outlets including The Guardian, Vice News, The Financial Times and The Hill.

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